Grupo de Soldados e Civis. Revolução do 14 de Maio de 1915

A chamada Revolução do 14 de Maio de 1915 pôs fim a um breve período de Ditadura Militar, que durou de 28 de Janeiro a 14 de Maio, dirigida pelo General Joaquim Pimenta de Castro, que, por esta altura, era a figura mais prestigiada do Exército Português e como amigo de juventude do Presidente da República Manuel Arriaga, tinha condições únicas para desempenhar, na opinião deste, o papel de congregador da vida política nacional, que encontrava-se, por este tempo, numa confusão permanente entre os vários actores políticos e nos seus jogos partidários. Esta preocupação pela conturbada agitação política do Portugal de 1915 é reflectida numa carta desesperada dirigida por Manuel Arriaga ao General mais graduado do nosso Exército que tome as rédeas do poder. Assim se dirigia:

Meu caro Pimenta de Castro:

Vejo-me violentado a intervir novamente nesta amaldiçoada barafunda política em que as paixões sectaristas e a intolerância dos velhos costumes têm envolvido esta nossa querida Pátria. Se não se acode desde já com firmeza e prontidão ao incêndio em que as facções estão ardendo há muito tempo, como desejando reduzir tudo isto à prontidão e à miséria, estamos perdidos. Isto não são frases; isto é uma inevitável realidade! Careço de ti e de forma que sem ti poderá caducar para sempre o remédio a dar-se ao grande mal. (excerto retirado da História de Portugal (1910-1926), Vol. XI, da autoria de Joaquim Veríssimo Serrão, p. 159).

Com esta verdadeira súplica do maior magistrado da Nação, o General Pimenta de Castro foi obrigado a tomar o poder impondo um regime militar, sendo o seu Governo composto por sete militares e apenas dois civis, estes sem ligação aos partidos políticos existentes (Partido Democrático, Partido Evolucionista e Partido da União Sagrada) e abriu uma profunda hostilidade entre a classe política e a instituição militar, desde Janeiro a Maio de 1915, que foi um prelúdio da tragédia que haveria de ocorrer com a Revolta do 14 de Maio. Esta Revolução foi dirigida por uma Junta de que faziam parte oficiais e civis, estes que muito ajudaram no êxito da revolta indo mesmo buscar armas ao Arsenal do Exército, o que provocou, em Lisboa, um verdadeiro estado de anarquia, com aproximadamente 200 mortos e 1 000 feridos, amontoados nas ruas da capital. O Governo do General refugiou-se no Quartel do Carmo, onde Pimenta de Castro acabaria por ser preso e a 26 de Maio, do mesmo ano, o Presidente da República, Manuel Arriaga, que tinha sido o principal instigador deste Governo Militar, viria a resignar ao seu cargo.

Claro que esta Revolução teve repercussões nas diversas terras da província, onde as rivalidades políticas deram origem a confrontos entre civis e instituições, como foi o caso do que aconteceu na Misericórdia da Vila de Óbidos. Assim, na Acta da Sessão Ordinária de 7 de Junho de 1915, a Mesa Administrativa, que representava a instituição, denunciava que não puderam realizar a sua Sessão Ordinária do mês de Maio devido ao facto de ter sido promovida por alguns minusculos e ignorantes serventuarios da Ditadura [aludem a pessoas simpatizantes do Governo dirigido pelo General Pimenta de Castro] foram levados da Secretaria para a Administração do Concelho pelos conspicuos Administradores de Obidos e Caldas da Rainha (…) diversos livros, entre êles o das Átas das Sessões, pelo que a Mesa se viu impossibilitada de realisar a sua Sessão Ordinaria do mês de Maio (…) Pelos motivos expostos ficáram para sêr tratados n’esta Sessão diversos assuntos que deviam sêr tratados na Sessão do mês anterior, que, pelo mesmos motivos, se não realisou. A Mêsa, cuja maioria é democratica (…) e de que só tem feito Administração escropulosa e honrada, não pôde deixar de protestar, como de facto protesta, com toda a energia contra a odiosa sindicancia que lhe foi movida pelos serventuarios da Ditadura em Obidos, os quaes, incapazes, sem forças e sem prestigio para conquistarem por eleição os lugares que aqui exercémos desinteressadamente e com bastante sacrificio, os queriam tomar de assalto com o fim de melhor saciarem os seus odios e satisfazerem as suas vinganças. A Mesa não pode deixar de protestar, como de facto protesta, contra as acusações verdadeiramente absurdas que lhe foram feitas, sem valor nem base alguma, mas arranjadas só com o fim de violentamente se procedêr á sua dissolução, afirma a sua repulsa e o seu desprezo por elas e por êsses minusculos e ridículos ditadores, que só pensam em vinganças politicas – o seu maior prazer. A Mêsa, ainda por proposta do Secretario, aprovou por unanimidade que se lançasse na Áta um voto de congratulação por ter sido derrubada a Ditadura que nos oprimia e nos vexava aos olhos de todo o mundo culto, aprovando também um voto de louvor a todos os que se bateram pelo estabelecimento, digo, pelo restabelecimento da normalidade Constitucional, e ainda um de profundo sentimento por todos aquêles que sucumbiram em defeza da Patria, da Republica e da Constituição. – Por proposta do Vogal Joaquim José dos Santos foi aprovado que se incluisse no futuro Orçamento Ordinario para o ano de mil novecentos e quinze a mil novecentos e dezaseis na verba de vinte escudos para as famílias das vitimas da Revolução de Catorze de Maio findo.

Esta Acta e outras Actas sobre este período convulsivo da política nacional, e como viram se reflectia no Concelho de Óbidos, será apresentada no novo Livro de Acórdãos e Eleições da Misericórdia da Vila de Óbidos, previsto para fins de Novembro deste ano de 2022.

Ricardo Pereira