A Câmara Municipal da Vila de Óbidos no contexto do Municipalismo Liberal (1832-1910).

Joaquim Maria da Silva Freire. Presidente da Câmara Municipal de Óbidos 1872 – 1886. (em 3 mandatos)
O Liberalismo produziu grandes alterações na organização e funcionamento das instituições municipais herdadas do Antigo Regime, influenciando de um modo centralizador o relacionamento que se estabelece entre o poder central e o poder local.
Porém, a organização administrativa do Antigo Regime manteve-se até 1832, pois nem no chamado vintismo (1820-1823), nem na vigência da Carta Constitucional (1826-1828) foi decretada qualquer reforma administrativa profunda.
Assim, a primeira grande reforma liberal, no âmbito administrativo, só surge com o Decreto n.º 23, de 16 de Maio de 1832 (quando os liberais se preparavam para iniciar uma Guerra Civil, com os seus inimigos miguelistas, do qual sairiam vencedores, em 1834), da autoria de um “homem de leis”, e da confiança, de D. Pedro, de seu nome, Mouzinho da Silveira. Esta reforma mostrou ser demasiada hierarquizada, centralizadora e burocrata, provocando uma completa ruptura com as estruturas administrativas do Antigo Regime.
As Câmaras Municipais, que no Antigo Regime tinham sido dominadas por oligarquias locais, que exerciam uma enorme preponderância política e social sobre as autarquias, recusam-se agora a aceitar a perda dos seus direitos tradicionais e tentam resistir “furiosamente” à subordinação que o poder central e seus agentes queriam impor. Nesta situação, este sistema foi revogado em 1835, já depois de terminada a Guerra Civil, ainda antes de ser aplicado e consumado a todo o país, fracassando, assim, esta primeira tentativa de reforma liberal da Administração Local.
A partir de 1836, até 1910, nove Códigos Administrativos entraram em vigor e se alguns tiveram algum sucesso outros tiveram uma passagem efémera. Mas dentre estes Códigos, podem-se destacar três que influenciaram, ou pelo menos tentaram, a vida das instituições municipais.
O primeiro deles foi o de 18 de Março de 1842, que esteve em vigor durante 36 anos e acabou por ser o mais centralizador do Liberalismo, provocando um controlo dos órgãos camarários pelo Poder Central, o que viria a ser catastrófico para o desenvolvimento dos Concelhos, impedindo-os de sair da estagnação económica e social em que se encontravam.
Estas normas de 1842 procedem, também, à divisão do território em Distritos, encabeçados pelos Governadores Civis e em Concelhos, sendo, nesta altura, tutelados pelos chamados Administradores do Concelho, substituindo os, anteriormente, Provedores do Concelho. Os corpos administrativos emanados deste Código são a Junta Geral de Distrito e a Câmara Municipal.
As Câmaras Municipais, passam a ser, geralmente, constituídas por 5 Vereadores nos Concelhos com menos de 3 000 fogos, o que acontecia no caso da Câmara Municipal da Vila de Óbidos, e de 7 Vereadores acima desse número, sendo excepção a este valor as Câmaras de Lisboa e do Porto, que poderiam ter 13 e 11 Vereadores respectivamente.
Estes eram eleitos de 2 em 2 anos, assumindo sempre a presidência da Câmara, aquele que obtivesse o maior número de votos entre os Vereadores propostos. Na Câmara de Óbidos nem sempre as Vereações duraram dois anos (como podemos comprovar no Quadro, em infra), pois temos duas Vereações que tiveram apenas um ano de exercício de poder, a de 1845 a 1846 e a de 1846 a 1847, e uma Vereação que durou três anos, de 1847 a 1850. Para exercerem o cargo de Vereador era necessário que tivessem rendimentos próprios e que fossem alfabetizados, o que contribuiu para colocar nas mãos das elites locais este mesmo cargo, pois a esmagadora maioria da população era analfabeta, o que, naturalmente, os afastava decisivamente deste elevado cargo municipal. Na Vereação da Câmara de Óbidos, surge, pela primeira vez, no mandato de 1856 a 1858 a figura do Vice-Presidente, cargo este, que se manterá até à implantação da República, em 1910.
As autarquias reuniam, em Sessão Ordinária, uma vez por semana. Em Óbidos reuniam à Quarta ou à Quinta-Feira, e, em Sessão Extraordinária, desde que os Presidentes as convocassem ou as entidades superiores o determinassem. O Administrador do Concelho podia estar presente e tinha voto consultivo nas reuniões camarárias, que eram públicas, salvo nos casos em que o Município achasse por bem serem secretas.
Os órgãos camarários não dispunham de muita autonomia para a execução das suas competências, pois estavam dependentes das autoridades superiores, como era o caso dos Governadores Civis, no que concerne à aprovação das Posturas e outros Regulamentos e igualmente do Governo Central e das Cortes, no que diz respeito a decisões relativas a empréstimos, hipotecas e contratos com determinadas companhias para a execução de obras concelhias. As decisões relativas a impostos e orçamentos camarários estava dependente do chamado Conselho Municipal, órgão que incluía os maiores contribuintes do Concelho.
O segundo Código que nos merece especial atenção, é o de 1878, que sucede na prática ao de 1842, apesar de terem surgido outros de premeio. Esta nova norma administrativa foi mais descentralizadora, que o de quarenta e dois, alargando as competências das Câmaras, dividindo-as em três grandes áreas: a administração e promoção dos interesses municipais, policiamento do concelho e o auxílio à execução de interesse geral de Estado e do distrito. Procedendo, ainda, à reintegração da Freguesia na organização administrativa.
O Código de 1878, apesar de ter sido revogado pelo de 1886, viria mais tarde a ser reposto aquando da Primeira República, pois consideravam os republicanos que esta tinha uma orientação mais democrática, o que comprova o seu carácter descentralizador.
Com o Código de 1886, verificou-se a última grande alteração no funcionamento das instituições municipais no século XIX. Uma das modificações, foi a adopção de determinados critérios de classificação dos diversos Concelhos. Considerando de 1ª ordem os que tinham mais de 40 000 habitantes, de 2ª, aqueles que se situavam entre os 15 000 e os 40 000 habitantes, e de 3ª ordem os que possuíam menos de 15 000 habitantes, o que era o caso da Vila de Óbidos, pois em 25 de Setembro de 1875, temos a informação que, viviam no Concelho obidense 12 762 almas.
Esta norma administrativa de oitenta e seis promoveu a obrigatoriedade das Câmaras em apresentar semanalmente os resumos das deliberações tomadas (ou por cópia autenticada) aos Administradores do Concelho, para estes depois enviarem aos Governadores Civis ou Juntas Gerais do Distrito (que aceitavam ou suspendiam as tais deliberações), havendo, no entanto, a possibilidade de recurso para o Governo Central, que depois decidia em definitivo se as deliberações tinham algum fundamento para poderem ser concretizáveis. Em suma, com este Código voltamos a ver novamente a limitação da autonomia do poder local e um regresso à centralização administrativa.
Aquando da proclamação da República encontrava-se em vigor o Código de 1896, que viria a introduzir pequenas alterações. O republicanismo não chegou a elaborar um novo Código Administrativo, retomando, como já referimos, o Código de 1878, vindo mais tarde a regulamentar o funcionamento das instituições administrativas, através da Lei nº. 88, de 7 de Agosto de 1913. Esta lei iria consagrar a mais completa descentralização administrativa, com a administração dos Concelhos a pertencerem às Câmaras Municipais, estando estas, contudo, sujeitas ao controlo dos seus cidadãos, com a introdução do referendum municipal.
Eis, o Quadro representativo dos elementos que comandaram os destinos da Câmara Municipal da Vila de Óbidos, entre 1834 e 1910:
DATAS |
DIA DA ELEIÇÃO |
Nº. DE VEREADORES |
NOME DO PRESIDENTE |
NOME DO VICE-PRESIDENTE |
1834-1835 |
5 |
Pereira Bastos |
||
1835-1836 |
18 de Janeiro |
4 |
Gerardo Pedro Teixeira |
|
1836-1837 |
07 de Fevereiro |
7 |
Gerardo Pedro Teixeira |
|
1837-1838 |
13 de Junho |
7 |
Joaquim Isidoro Furtado |
|
1838-1839 |
03 de Abril |
5 |
Joaquim Avelar Nogueira |
|
1839-1840 |
06 de Janeiro |
5 |
Joaquim Isidoro Furtado |
|
1840-1841 |
24 de Janeiro |
4 |
Paulo de Sequeira da Silva Freire |
|
1841-1843 |
08 de Fevereiro |
5 |
António Pedrosa Barreto1 |
|
1843-1845 |
02 de Janeiro |
4 |
Miguel Maria Salvo |
|
1845-1846 |
02 de Janeiro |
4 |
Miguel Maria Salvo |
|
1846-1847 |
01 de Outubro |
4 |
Francisco Adriano da Silva Pinheiro |
|
1847-1850 |
14 de Novembro |
4 |
José Duarte Pimentel |
|
1850-1852 |
02 de Janeiro |
4 |
José Daniel Henriques Sequeira2 |
|
1852-1854 |
16 de Agosto |
5 |
José Daniel Henriques Sequeira |
|
1854-1856 |
10 de Janeiro |
4 |
Francisco Manuel de Amorim3 |
|
1856-1858 |
02 de Janeiro |
4 |
João Garcia da Silveira Botelho |
João Cassiano de Amorim |
1858 (Comissão Administrativa) |
01 de Fevereiro |
4 |
José Teodoro Correia Batalha |
Paulo Sequeira da Silva Freire |
1858-1860 |
24 de Abril |
3 |
José Manuel de Amorim |
José Ezequiel de Figueiredo |
1860-1862 |
05 de Janeiro |
4 |
Joaquim José da Costa4 |
João Evangelista Cardoso Júnior |
1862-1864 |
01 de Março |
4 |
Faustino da Gama Júnior |
José Manuel de Amorim |
1864-1866 |
02 de Janeiro |
3 |
Bernardo António Branco |
José Maria de Almeida Azevedo |
1866-1868 |
01 de Fevereiro |
3 |
Bernardo António Branco |
José Maria de Almeida Azevedo |
1868-1870 |
02 de Março |
5 |
Bernardo António Branco |
João Guilherme Alves de Azevedo |
1870–1872 |
02 de Janeiro |
5 |
Bernardo António Branco5 |
Joaquim Maria da Silva Freire6 |
1872-1874 |
06 de Janeiro |
5 |
Joaquim Maria da Silva Freire |
Miguel dos Santos Martins |
1874-1876 |
12 de Janeiro |
5 |
Duarte Máximo Vitória Pereira |
Miguel dos Santos Martins7 |
1876-1878 |
02 de Janeiro |
6 |
Joaquim Maria da Silva Freire |
Miguel dos Santos Martins |
1878-1880 |
18 de Agosto |
5 |
Manuel Maria Campos Feio |
Constantino Rodrigues Cardoso |
1880-1882 |
06 de Janeiro |
8 |
Joaquim Maria da Silva Freire |
Francisco Manuel de Morais da Silva e Sousa |
1882-1884 |
02 de Janeiro |
5 |
Joaquim Maria da Silva Freire |
Francisco Manuel de Morais da Silva e Sousa |
1884-1886 |
02 de Janeiro |
5 |
Joaquim Maria da Silva Freire |
Francisco Manuel de Morais da Silva e Sousa |
1886-1887 |
02 de Janeiro |
7 |
João Evangelista Cardoso8 |
Joaquim da Costa Amaral |
1887-1888 |
02 de Janeiro |
3 |
Artur Paulo Rodrigues |
António Venâncio Pacheco |
1888-1889 |
05 de Janeiro |
3 |
António Venâncio Pacheco |
Salustiano dos Santos Leal |
1889-1890 |
03 de Janeiro |
3 |
António Venâncio Pacheco |
Joaquim Guilherme Furtado |
1890-1891 |
02 de Janeiro |
5 |
Nuno Gorjão Henriques |
Gerardo Lourenço de Almeida |
1891-1893 |
05 de Janeiro |
5 |
Alfredo Moreira |
Casimiro da Silva Cairel |
1893-1896 |
02 de Janeiro |
4 |
Casimiro da Silva Cairel |
Francisco Miguel Marques do Couto9 |
1896-1898 |
07 de Janeiro |
5 |
Alfredo Joaquim Ferreira |
Rui Baptista Malhão Amorim |
1898 (Comissão Administrativa) |
24 de Janeiro |
4 |
Albino Herculano Sequeira Sepúlveda |
Joaquim da Costa Amaral |
1898-1899 |
06 de Abril (mas só entraram em funções em 18 de Abril) |
5 |
Miguel dos Santos Martins |
Severo Leopoldo Baptista Malhão de Morais10 |
1899-1902 |
02 de Janeiro |
5 |
Miguel dos Santos Martins |
Bernardo José Rodrigues11 |
1902-1905 |
02 de Janeiro |
6 |
Miguel dos Santos Martins12 |
Virginio Pereira |
1905-190813 |
02 de Janeiro |
6 |
Luís da Gama |
Francisco Miguel Marques do Couto |
1908 (Comissão Administrativa) 14 |
14 de Fevereiro |
6 Vogais |
Frederico Ferreira Pinto Basto |
|
1908-1910 |
30 de Novembro |
6 |
Luís da Gama15 |
Francisco Miguel Marques do Couto |
Por curiosidade, com a implantação da República, em 05 de Outubro de 1910, tomaria posse, cinco dias depois, a 10 de Outubro, a nova COMISSÃO MUNICIPAL REPUBLICANA, tendo como Presidente o cidadão, Júlio César Tornelli, como Vice-Presidente, Virginio Pereira e como Vereadores, os senhores, José Veríssimo Duarte; Joaquim Rodrigues Tocha; José Luís Marques; Tomás Inácio Ceuta e Luís da Costa.
1 Pede demissão, em 06 de Novembro de 1841, em virtude de ir viver para fora do Concelho de Óbidos, sendo substituído, nesta função, por Joaquim José da Costa.
2 A pessoa que tinha sido, inicialmente, eleito para Presidente, Miguel Maria Salvo, recusa o cargo alegando moléstia nos olhos.
3 Pediu a escusa do cargo, em 01 de Abril de 1854, sendo substituído, no cargo, por José Duarte Pimentel.
4 Por se encontrar gravemente doente foi substituído por José Manuel de Amorim.
5 Falecido durante o desempenho do cargo, sendo substituído, em 01 de Junho de 1870, pelo seu Vice-Presidente, Joaquim Maria da Silva Freire.
6 Em 1 de Junho de 1870, foi substituído no cargo por Miguel dos Santos Martins.
7 Acumulava este cargo com o cargo de Administrador do Concelho de Óbidos.
8 Falecido durante o desempenho do cargo, em Abril de 1886, sendo substituído no cargo por Francisco Manuel de Morais da Silva e Sousa.
9 Em 20 de Janeiro de 1895, é substituído, no cargo, por Gerardo Lourenço de Almeida.
10 Só foi eleito em 02 de Janeiro de 1899, mas foi intimado administrativamente para não tomar posse, sendo substituído por Bernardo José Rodrigues, em 09 de Janeiro de 1899.
11 Saiu em 02 de Janeiro de 1901, dando, novamente, o seu lugar a Severo Leopoldo Baptista Malhão de Morais, por entretanto ter sido considerada válida a sua anterior eleição, entre 1898-1899.
12 Falecido durante o desempenho do cargo, em Fevereiro de 1902, sendo substituído pelo seu Vice-Presidente, Virginio Pereira, que no entanto só foi eleito Presidente, em 02 de Janeiro de 1903.
13 Foram substituídos por uma Comissão Administrativa, após o Regicídio do Rei D. Carlos, voltando aos seus cargos em 24 de Fevereiro de 1908.
14 Esta Comissão Administrativa governou a Câmara durante, apenas, 10 dias, devido ao Regicídio, pois devido a este acontecimento, em todas as autarquias do país, verificou-se a dissolução das respectivas Vereações.
15 Em 28 de Julho de 1909, pediu licença, para tomar assento da Câmara de Deputados, nas Cortes, em Lisboa, sendo substituído, neste cargo, pelo Padre Manuel Lourenço. Contudo em Janeiro de 1910, voltou a exercer o cargo de Presidente.